quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CTGay Faca na bota ou flor na boca?

CTGayFaca na bota ou flor na boca? Qual o comportamento de um macho genuíno no âmbito do MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho)?
A polêmica em torno da representação da masculinidade nos CTG’s reacendeu em função de um artigo assinado pelo tradicionalista Ademir Canabarro, que, dentre outros laivos de insensatez, registra o “avanço assustador da homossexualidade”. Polêmico, mal redigido, impregnado de clichês e de anomalias conceituais, o artigo do citado tradicionalista é o retrato fiel do retrocesso numa época em que tanto se fala nas igualdades sociais, no direito à expressão dos gêneros sexuais e na diversidade cultural como pontos saudáveis à vida humana. O Movimento Tradicionalista Gaúcho sabe que, enquanto existir, terá que lutar com unhas e dentes para impor a adesão ou a simpatia à sua causa, já que seu referencial ideológico é fascista, sexista, teologal, patriarcal, reprodutivista, racista e eugenista. Qualquer pessoa com o mínimo de esclarecimento sobre a história do Rio Grande do Sul sabe que o MTG, mediante acordos oriundos de uma facção de extrema direita, implantou no Rio Grande do Sul práticas culturais inventadas e se infiltrou nas estruturas do poder político através da militância dos CTG’s que, ainda hoje, são verdadeiras arenas políticas disfarçadas sob o manto dócil da tradição, uma tradição que nunca existiu.
Na época do regime militar brasileiro, a proximidade entre os militares e os CTG’s foi crucial porque serviu a ambas instituições. Os CTG’s administravam aos seus integrantes o discurso do ordenamento e da subserviência ao militarismo e a aceitação passiva da política sanguinária das décadas de 1960 e 1970; os militares, por sua vez, permitiam que os CTG’s fossem os únicos clubes a manter atividades “culturais” longe dos olhos do sistema. Homossexualismo existe em todos os lugares do mundo, em quartéis, igrejas, no futebol, em empresas e escolas. Por que não existiria nos CTG’s? Será que o Sr.Canabarro pensa que, pelo fato de terem sido criados alegórica e fantasiosamente, os CTG’s não podem apresentar situações vividas no mundo real?Certos trechos do artigo escrito pelo tradicionalista revelam um barbarismo de pensamento que deixariam perplexos até os xiitas mais ortodoxos. É o caso desta pérola: “Homem acasala com mulher e mulher acasala com homem! Da mesma maneira que cavalo cobre égua e não cavalo”. Belíssima comparação! Só faltou o Sr.Canabarro dizer – mediante um reducionismo que perpassa cada palavra do seuartigo – que homens pensam como cavalos e mulheres como éguas! A comparação até poderia virar letra de alguma música apologética (do tipo que os cetegistas tanto prezam), as quais exaltam o heroísmo, a bravura e a hombridade como os únicos atributos que alguém deve possuir para não ser confundido com esterco.
Não pretendo aqui fazer a defesa dos agredidos. Sou completamente antissexista, do tipo que acabaria com a divisão entre banheiros masculinos e femininos. Assim, encaro como uma pobreza de espírito e de presença humana criar clivagens sociais que levem em conta o que as pessoas fazem com seu corpo na intimidade de suas práticas sexuais. Com seu retrógrado artigo, o Sr. Canabarro pretende referendar a idéia de que se adote, no âmbito dos CTG’s, uma expressão simulada da masculinidade, simplesmente porque ela convém à manutenção do estereótipodo “macho”. Do alto de um intelecto formado por dois neurônios heterossexuais, o Sr. Canabarro revela-se um desconhecedor das teorias mais atualizadas sobre questões relativas ao gênero e às performances sexuais, as quais privilegiam o caráter interacional, social e psicológico da construção de uma identidade sexual. Erroneamente, e sem qualquer fundamento tolerável, o Sr. Canabarroacredita que a “macheza” do ambiente dos CTG’s é um legado histórico da cultura do RS. Que grande bobagem! Que aviltante constatar que muitas pessoas ligadas aos CTG’s (as quais pensam que cultivam as raízes da cultura sulina) são as que mais desconhecem a história do Rio Grande do Sul. É inadmissível, segundo expressa o Sr. Canabarro, que os peões cetegistas homossexuais se expressem feito dóceis corcéis numa cavalgada graciosa, pois, segundo manda o protocolo do macho exemplar, eles devem agir feito machos bufalos eretos, machúfalos de peito estufado que não comem o mel pois mastigam a abelha. O temor do citado tradicionalista é que a presença de homossexuais nos CTG’s imploda o modelo autoritário, esquemático e medieval que estrutura essas irmandades fundamentalistas que, além de cultivarem aparências, agem mediante o patrulhamento da intimidade das pessoas e impedem que apareça uma história e uma tradição gaúchas que não estejam sob suas rédeas. Tomem cuidado, portanto, os machúfalos de plantão, pois bagos de touro costumam ser muito apreciados até mesmo por cetegistas.
Clóvis Da Rolt